sábado, 22 de dezembro de 2007

Entrega-se a quem provar pertencer-lhe

Estas palavras foram abandonadas à porta do nosso blogue, num dia frio de Outono. São o género de palavras que beijam; como gostaríamos de ter sido nós a escrevê-las.
São palavras belas.
Entregam-se a quem provar pertencer-lhe.


“Era pequeno, mãe, era pequeno mas sofria como os grandes, sofria como o pai sofreu antes de morrer, como o pai sofreu em silêncio, às escondidas, no quarto. Por vezes não adormecia logo e ouvia um choro, uma melodia constante. O pai não chorava como as crianças, o pai não tinha espasmos de dor, mãe, o pai chorava um choro único, um choro tão leve e tão constante como a dor que o obrigava a chorar, uma dor pequena, venenosa, uma dor que o foi levando, que o foi agarrando, que o foi possuindo como uma formiga vai possuindo a sua comida: ao longo de muito tempo a amealhar para depois descansar. A dor pequena era uma formiga que passeava nele e que lhe ia levando a força, uma formiga que conseguiu ao fim de algum tempo de trabalho árduo levá-lo de vez, levá-lo todo. Um dia ouvi o choro e levantei-me da cama e fui ao quarto. As lágrimas caíam-lhe, mãe, as lágrimas caíam-lhe como tu sabes que caíam. O meu pai a chorar escondido no quarto para eu não o ver, um pai a esconder que chora do filho. Naquele momento hesitei entre ir lá e abraçá-lo e apoiá-lo e nada fazer, apenas ficar ali, a ouvi-lo chorar e a sentir aquele choro a ser também o meu choro. E depois lembrei-me de ti, mãe, lembrei-me de te abraçar e de te pedir ajuda, lembrei-me de te abraçar e de te perguntar o que é que deveria fazer, o que é que eu podia fazer para o pai ficar bem, para o pai parar de chorar. Fui à sala e encontrei-te, mãe, encontrei-te tão dor como o pai, tão choro como o pai, e fiquei ali, entre o teu choro e o choro do pai, a chorar o meu choro, e a nossa casa era o que sempre foi: uma casa de choros escondidos, uma casa de dores guardadas, de dores cobardes. Ali dentro, na nossa casa, todos sabíamos que sofríamos e que tudo era sofrimento: o pai, eu, tu. Cada um com a sua doença, cada um com a sua mentira.”

2 comentários:

Divinius disse...

ESCUTA O SOM MAIS PURO DA TUA VOZ...


Boas festas:)

Anónimo disse...

belo texto e grande blog