sexta-feira, 22 de abril de 2011

outras paixões

Ainda a proposito de paixões, revejo nesta quadra pascal, a costumeira Paixão de Cristo de Mel Gibson num dos canais da cabo. Trata-se de um filme polémico, fértil em anti-semitismo dirão alguns (a parte que menos me interessa). Mas pior do que as derivas ideológicas e religiosas, o que me incomoda mesmo neste filme é o sangue, o sofrimento, a tortura, tudo a propósito da condenação de um homem à morte na cruz, que Gibson quis confrontar com uma versão a seu gosto, não sei se fiel à versão contida nos quatro evangelhos que a Igreja tão bem soube seleccionar, eliminando todos os outros; Bom, mas essa era já outra história. O que estes quatro evangelhos rezam, é que o homem foi esbofeteado, escarnecido, desnudado, flagelado e depois coroado de espinhos, pouco mais. Não se detecta nada de excessivamente cruel e sem piedade como o que está retratado no filme. Ou seja, a forma de dramatização escolhida por Mel Gibson tem mais a ver com o espectáculo e o simulacro, tão ao gosto da cultura da comunicação de massas, do que propriamente com os relatos evangélicos da Paixão. A obsessão pela dor e pelo sangue contamina todos os personagens e o próprio Cristo, que em nenhum momento se desprende da cruz. As quedas constantes de JC já crucificado são inverosímeis, hilariantes e de uma crueldade insuportável. Contudo, o problema nem sequer é a sequência ininterrupta de violência, senão a (in)capacidade do Homem suportar todo aquele calvário, pelo menos em alguns momentos. O filme é tão excessivo e perturbador que à medida que se aproxima do fim deixa uma sensação de alívio a quem assiste a tamanho pathos visual/narrativo. Na verdade, parece que o sofrimento possui uma inegável dignidade, mas quando é artificialmente provocado resulta grotesco e repugnante. Trata-se da dor pela dor, do sangue pelo sangue, da cruz pela cruz, que nos afasta do humano e do divino e nos aproxima do sadismo. Eu recusava-me a acreditar num Deus que exigisse um preço tão alto para redimir a humanidade

1 comentário:

manufactura disse...

...não sei quem disse que há gente que obtem mais prazer no visionamento de imagens "macabras", ao ver jorrar sangue e corpos mutilados, do que no acto sexual, mesmo com orgasmo e tudo...