O homem do contentor

Intrigante, esta imagem colhida no JF: um homem procura comida num contentor de lixo na cidade 5 estrelas.
O homem do contentor, chamemos-lhe assim, é, como outros homens, visto pela Covilhã a transpirar por todos os poros, vasculha no lixo e posta-se logo pela manhã na entrada d’um café, ou em redor d’uma esplanada. Pede cinquenta cêntimos e um cigarro, como se reclamasse o seu direito a existir. Interpela o transeunte e nomeia-o de doutor, arquitecto ou engenheiro, tanto dá. A lei do mais forte impõe-se quase sempre no limite do mundo habitável, enquanto a obscura monotonia do fim de dia lhe esconde o olhar cabisbaixo num flyer publicitário. Faz-se tarde.
As persianas trazem ruído ao baixar, o seu estrondo retumba nas paredes onde o quase-mendigo recosta o corpo. De repente, as ruas da cidade 5 estrelas esvaziam-se. Mas o homem do contentor continua ali, com o olhar perdido, e o dano d’uma vida amortecido num gesto de sobrevivência. Rendido, já não espera muito do momento que se consome no entardecer sobre a calçada quente. No rosto não há sequer um inconsciente sorriso ou uma gargalhada incontida, que pudesse interromper-lhe por algum instante o silêncio inquieto da resignação.
O homem do contentor vive na rua desde há muito, preso nas margens de sonhos perdidos; caminha, conscientemente para uma existência vã. É noite.
As ruas da cidade coabitam condescendentes com a miséria de tantos homens e mulheres, servem-se dela e dão-lhe guarida. Nós, os outros, fazemos parte da paisagem, como eles, mas o nosso papel exige conforto e outra sorte. São diferentes os temperos com que nos é servida a existência. Graças ao nosso instinto, até sabemos ser cúmplices d‘essa miséria oculta em contradições e (in)certezas. Ou não?