Covilhã, 41 graus centigrados. Armando transpira por todos os poros, postado na entrada do café, em redor da esplanada, pede cinquenta cêntimos ou um cigarro como se reclamasse o seu direito a existir, interpela o transeunte e nomeia-o de doutor, arquitecto ou engenheiro.
A lei do mais forte impõe-se no limite do mundo habitável, enquanto a obscura monotonia do fim de tarde lhe esconde o-olhar-baixo-nas-folhas-d’um-flyer-publicitário.
Faz-se tarde. As persianas trazem ruído ao baixar, o seu estrondo retumba nas paredes d'onde o quase-mendigo encosta o corpo. De repente, as Ruas da cidade esvaziam-se.
Um olhar perdido. O dano amortizado numa pensão de sobrevivência. A vida que se consome num princípio de noite sobre a calçada quente da Rua. Sofre, mas já não espera nada, vive nas margens de sonhos perdidos, aproxima.se do estado natural d'uma existência vã.
As Ruas coabitam condescendentes com a miséria, servem-se dela e dão-lhe guarida. Nós, os outros, fazemos parte da paisagem, como eles, mas o nosso papel exige conforto e outra sorte. Graças ao nosso instinto, sabemos ser cúmplices d‘essa ignorância ostensiva que oculta contradições e certezas. No entanto, ignoramos o que ocorre à nossa volta.
(A foto não é da Covilhã e foi surripiada a Rui Cruz algures em Lisboa)